28.6.04

A Última Iguana (1)

Saiu do abrigo criogénico meio entorpecido, esfregando os braços para restabelecer mais rapidamente a circulação. Nos últimos tempos não recuperava tão depressa dos períodos de letargia.
Tomou um banho rápido e vestiu roupa lavada, uma camisa leve e umas calças claras de algodão, um casaco branco de linho sintético e foi arrumar os seus instrumentos de trabalho nas maletas. Ser vendedor nunca fora fácil em qualquer tempo ou lugar, mas naquele mundo à beira do fim tudo se tornava mais problemático. Percorrer desertos infindos para vender uma qualquer maquineta antiquada numa terriola perdida no pó, ressequida até aos ossos pelo sol inclemente, não era uma tarefa agradável; morrer de fome ao sol da tarde por não ter nem emprego nem abrigo também não possuía qualquer atractivo. Entre duas coisas desagradáveis escolhera a que o mantinha vivo.
Corria um Junho incandescente de um Verão que se anunciava eterno. No fim do mês tórrido completaria trinta e quatro anos subjectivos, sessenta e oito anos externos, quase sete décadas da realidade exterior que pouco se alterara.

Passou veloz por Alwaystandingtall, vazia e decrépita, quase coberta pelas dunas amarelas do deserto. A velha bomba de gasolina era das poucas construções que se mantinham totalmente à vista, desafiando o fim comum das suas irmãs de madeira e cimento. Tivera bons clientes em Alwaystandingtall...
Ia dar a volta do costume: primeiro a passagem pelos armazéns do Murphy para ir buscar a mercadoria; depois, já com a carrinha cheia até ao tecto, dirigir-se-ia para Little Heaven, Martinsaw, Human e Dornington, seguidas da melhor paragem do seu périplo: Lasthope. Era a maior cidade da região, bem maior que o sítio onde vivia, Time's'lost.
Apesar do trabalho tentava aproveitar ao máximo o tempo de que dispunha, e que era aliás o tempo de que todos dispunham: dois períodos de três meses em cada ano, um no "Verão", outro no "Inverno". O resto do ano era passado nos abrigos criogénicos, nas pequenas unidades que pareciam sarcófagos, tentando prolongar ainda mais uma vida que já não tinha muito sentido.
Partilhava o seu apartamento com Leon Bursky apesar de nunca o ter conhecido; vira-o apenas duas vezes, quando espreitara pelo cristal transparente da janela do abrigo criogénico em que ele fazia de morto. Era assim com toda a gente: metade dormia enquanto a outra metade se afadigava em sobreviver. No entanto eram cada vez mais os que prescindiam dos seus períodos de vigília e passavam vários anos seguidos nos casulos criogénicos, esperando que ao acordar estivessem num mundo melhor. Pobres diabos que se iludiam com uma esperança que já perecera nas areias quentes do deserto do mundo.
Fixou o olhar na fita negra da estrada e esperou que o tempo passasse.